Esta colecção "Manucure - Diários" de Mario de Sá-Carneiro, trazida pela Alma Azul é o que os Ingleses chamam de pointless, 'a falta de palavra lusa mais indicada. Se o conceito de diários de suicidas promete, não se concretiza, sendo não mais do que deambulações incongruentes, juvenis e irrelevantes, com um dramatismo pirosinho. A primeira parte, Manucure, é bastante interessante, mas recomenda-se antes a obra Poemas do mestre Mário, mais trabalhada e extensa.
Retratando os Bichos sem limitações, ora sendo joviais, gozões ou sofredores, conscientes da sua decadência e do infortúnio que é ser bicho. É uma obra encantadora, onde o relógio só marca vidas e não segundos, a condescendência que não temos para com os bichos, a cumplicidade que eles distribuem entre si, tentando sobreviver ao grande opressor. Histórias de dignidade, bem transparente.
Obra surrealista de 1956 juntamente com outros escritos, este "Manual da Prestidigitação", foi editado pela Biblioteca Editores Independentes, um projecto de três editoras já aqui referido. Se a vertente poética é notável e carece profunda análise, contidos estão também capítulos que "não interessam ao menino Jesus", de Braga ou do Bonfim. A melhor parte serão mesmo as Burlescas Teóricas e Sentimentais. Acrescento esta entrevista publicada pel'O Independente 'a 20 anos, que parece tão actual. Feita por dois rapazes chamados Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas.
Esta colecção de histórias unidas sobre "Um Bom Homem é Díficil de Encontrar" apresenta Flannery O'Connor em Português. Descrita pelo New York Review of Books como "a maior escritora Americana do século XX", as histórias aqui contadas são muito sulistas, e muito femininas. Passeando-se entre o real e o imaginário, pintando com cores de fantástico, Flannery O'Connor tem uma fluidez de escrita soberba, deliciando com pormenores e retoques finais nas histórias.
Como Torga disse, ele escrevia para quem não o podia ler, e estas histórias da ruralidade, do trabalho, dos defeitos que são também as graças e encanto do povo campestre, são uma soberba colecção de Portugal, onde um escritor tão dotado faz tão pouco esforço para se aproximar das raízes, tendo cravado estas linhas de tanta genuinidade, que só impregnado de uma humildade assaz, não se perde o propósito desta beleza. O dramatismo não esconde a humanidade de um povo sofredor, que espera um ano por uma festa que celebra a tristeza.
Eu costumo fazer sempre um trocadilho no título dos posts, mais ir hoje ver o Rza (como Bobby Digital) a apresentar material a solo e de Wu Tang, não pode ser para rodeios. Os adjectivos serão em torno de épico, lendário.
Autobiografia deste ensaísta do espaço global, começa por focar-se na sua paixão pelo cinema e na ligação que certos filmes tiveram a capítulos da vida. Existe uma grande carga negativa, com a morte do seu companheiro a pairar nas páginas que relatam as várias casas que teve em Itália, América do Sul e Estados Unidos, e do que significou depreender-se de cada uma delas. Aparecem também descritos episódios do ensaísta com os Onassis, Greta Garbo, Nureyev, entre outros. Não tão celebrada como "Palimpsest - A Memoir", é ainda assim uma obra interessante, em tom paternalista.
Acabo de chegar de uma representação de O Rei Lear no Shakespeare Globe Theater, que estreou a temporada na passada Quarta-Feira. No fundo é um drama familiar do Rei Lear, que tem de dividir o reino pelas três filhas, dando a maior parcela aquela que o amar mais, e quando a elas se pede para lhe reconhecerem o seu amor e magnitude, uma desaponta-o, levando Lear a expulsá-la. Notável representação da condição humana, com humor e embuste, rebaixando Lear perante os poderes da natureza sobre a forma duma tempestade.
Estes Crimes do Acordeão de Annie Proulx, autora de Brokeback Mountain, estendem-se ao longo de quase quinhentas páginas. Se no início o ambiente de descoberta é envolvente, 'a medida que o acordeão passa de mão em mão, entre famílias de emigrantes de variados pontos do mundo, a fantasia perde-se. Nota-se que isto são histórias independentes, com o mesmo pano de fundo, aglutinadas pelo propósito do livro, mas o livro falha na longevidade e numa narrativa que acaba por se tornar pouco envolvente. Para quem se quer iludir com esta América, recomenda-se antes a leitura de Carter Vence o Diabo, de Glen David Gold.
Esta edição bastante cuidada da Collins Design, parte da Harper Collins, vem com uma capa e contracapa em cartão e desenhos de extrema qualidade. Relata a história dos bonecos de vinyl/designer desde as origens japonesas, até ao expoente Americano, para depois serem os EUA a influenciar os nipónicos. Presentes estão alguns dos designers mais famosos como Bounty Hunter, Kaws, Tokidoki ou Baseman em cerca de 400 imagens, mas o que retira valor são os textos, pois não acrescentam nada. Foram convidadas várias personalidades para analisarem a história dos bonecos de designer, mas os textos são fraquíssimos. Kaws Companion Dissected Tokidoki Cactus Baseman
Sendo alguns dos meus filmes predilectos Sleepers, O Padrinho ou Scarface, e um dos meus realizadores de eleição Scorcese, sempre adiei ver este Goodfellas, e devia ter mantido o meu "veto". Achei o filme muito fraco, sem profundidade, e tirando Joe Pesci, nenhuma prestação memorável. Não entendo assim como é o filme de eleição de tanta gente. Devo ser eu...
O nível técnico do filme pode ser muito bom, mas uma história como esta, com tantas referências e tantos anos de trabalho merecia muito mais. O inicio do filme, com toda a problemática da genética, as questões morais e étnicas é bastante interessante, mas ver duas horas e meia de filme, por uma boa meia hora, que nem se chega a concretizar, é frustrante. A partir do momento em que aparece Jude Law o filme torna-se trivial, entrando no fantástico duma "ciência" que se prevê exacta. Já agora, como curiosidade, se cidades como NY foram inundados pelo derretimento do Pólo, porque é que no final nos encontramos numa idade do gelo com o fundo do oceano, onde David fica, completamente seco? E uma outra, é o facto de Kubrick não ter concretizado este projecto, pois pretendia que David fosse na realidade um robot, tecnologia ainda não disponível.
Oportunidade de ir 'a National Gallery ontem, ficam aqui os que me marcaram mais. Os Embaixadores de Holbein, aquele traço bege é uma caveira, que se desmitifica quando vista do lado direito. Virgem nas Pedras de Leonardo da Vinci, magistral. Virgem e o Menino com os Santos e Ofertas de Gerard David. Salviati e os Três Santos de Canon Bernardijn, sobretudo pelas cores. O mendigo do lado esquerdo recebeu um casaco de Salviati.
De notar ainda a vivacidade da paleta de Raphael, os Rembrandts, a gelitude da Paisagem de Inverno de Caspar David Friedrich, e principalmente a variedade da obra de Peter Paul Rubens, ao longo de uma extensa galeria onde se destaca este Massacre dos Inocentes.
Sempre agradável de rever, La Haine de Mathieu Kassovitz, já com 13 anos. Rodado a preto e branco nos suburbios de Paris, conta a história de 3 amigos, Vincent, Said e Hubert, e explora a pobreza e a segregação, que ainda hoje estigmatizam as banlieues pobres. Cena clássica com o Cut Killer a usar o "Assassin la Police" enquanto o helicóptero sobrevoa o bairro, onde um Vincent Cassel estava ainda muito verde.
Teixeira de Pascoaes surge neste "Arte de ser Português", clamando a Pátria como valor supremo e a Portugalidade como algo inerente, que não necessita de ser glorificado, mas exaltado na sua magnitude, e onde Pascoaes assume como irreal naturalidade valores que ele tem como comum a todos os descendentes desta pátria ingrata. Se não os têm, então instituam-se 'a força, de acordo com a vontade de Pascoaes. Escrito em quinze dias, nem tudo é delírio. Com a divindade por fundo (e a fundo), saluta a necessidade de saude e do culto da beleza.
O homem que despreza a saude, não pode ser bom pai nem bom patriota
Prossegue com uma interessante explicação sobre a dimensão que as palavras intraduzíveis (como saudade) nos conferem. Essa mistura de desejo, lembrança com gosto e amargura, são a nossa natureza e definem a nossa atitude como Portugueses, ao olhar o passado e a temer o futuro. Finaliza com as manifestações em que a alma patriótica melhor se manifesta, bradando aos céus Camões, Camilo e Garrett.
Por outro lado, confesso que não imaginava que este livro iria ser assim. Alain de Botton surge descrito como um papa-vendas (vulgo best-seller), e eu julgo que isto é o equivalente Londrino a uma Margarida Rebelo Pinto. Ou seja, conversa de café que agrada a jovens sub-urbanas. Não 'a muito tempo tive a minha velocidade de leitura testada, e pouco para meu espanto, tive uma altíssima, penso que se distribuissem medalhas pelas marcas, eu ficaria com o ouro. E em boa altura me foi isso dito, pois pude ler este livro em menos de meia hora, com plena confiança que graças 'as minhas faculdades visuais, ia despachar isto em três tempos e ficaria a perceber tudo. Anuncia-se filosofia de Groucho Marx e Aristóteles, mas "Ensaios de Amor", é apenas uma longa história de um autor que julga ter encontrado o amor. Obrigadinhos, mas para a próxima leio duas linhas antes.
Fica uma curta de Oury Atlan, Thibaut Berland e Damien Ferrie, cinco minutos de abstracção da realidade. É um tributo a Jim Henson, criador dos Marretas, portanto uma animação fantástica.
Livro ilustrado de Michael Johnstone, um pesquisador com vários livros sobre gangs e afins. Bastante bom, não se deixa cair em populismos nem em glorificações da Obra. Especialmente útil é o primeiro capítulo, onde traça as origens da Maçonaria nos construtores, os seus hábitos e valores, em não trair um mestre construtor para irem para outra obra e afins. Das origens tribais aos mistérios ancestrais, mostra o desenvolvimento ao longo dos séculos e a importância das Lojas na independência dos EUA e da França, bem como a perseguição a que foram alvos por isso, e depois por serem aglutinados com os Judeus na perseguição Nazi. As duas revelações foi que não obedece a nenhuma igreja, sendo apenas necessário um Deus, uma fé, e não o Cristianismo, ao qual é comummente associada em Portugal. A outra é a grande preponderância de músicos de Jazz como Nat King Cole ou Louis Armstrong. Traça também a distinção de graus entre a escola Europeia, e a Escocesa, usada pelos EUA, com 33 graus. Em suma, bastante interessante, e por ser uma edição ilustrada, podemos ver a importância em edifícios famosos como a Catedral de St. Paul ou o British Museum em Londres, o Capitólio em Washington, ou a Estátua da Liberdade em Nova Iorque, oferecida pela França, todas obras Maçónicas. Vários elementos maçónicos, como o olho que tudo vê e a numerologia podem ser vistos na nota de dólar.
Renascimento de Manfred Wundram, editado pela Taschen, apesar da imagem apresentada, existe tradução Portuguesa. Visa as escolas Italianas, Holandesa e Alemã, com reproduções de Albrecht Altdorfer, Dürer, Luca Signorelli, entre muitos outros. Apresenta-se uma concisa biografia, bem como detalhes sobre a pintura. O unico senão será a referência a outros quadros dos pintores, sem os apresentar, mesmo que em ponto pequeno.
Tirando o propósito de homenagem, pouco há a engrandecer no ultimo filme de Tarantino. Uma série de lugares comuns, cenas excessivamente longas, história desconexa e ambientes repetitivos. Claro que carros, armas e mulheres serão suficientes para muita gente delirar com isto.
Man on Fire de Tony Scott, provavelmente o pior realizador da história. Eu nem gosto de filmes de acção, mas este filme que parece um solo estendido de Denzel Washington como que numa bateria, consegue ser agradável. Ele faz de um ex-militar reconvertido em guarda costas de crianças devido 'a bebida. Algures entre Traffic e outro blockbuster de acção, é a história da recuperação duma criança raptada. A arte de um homem é a morte, e ele encontra-se a fazer a sua obra prima em forma de vingança.
Este edição da Editorial Estampa está dividida em duas partes, sendo a primeira versada no lado pessoal e a segunda dedicada ao lado cientifico. Ambas são escritas de um modo que torna fácil a compreensão, e conciso. Interessante analisar os dilemas pessoais com as constantes renegações e reconquistas de nacionalidade, sempre com uma mensagem de paz por detrás, de alguém que se procurava mostrar como apolitico. O lado pessoal também sofreu, com os abandonos, mortes e infelicidades, de uma pessoa que foi também bastante carente. De onde veio e até onde tentou ir, evitando a fama que sempre lhe chegou, não pelos atributos físicos (ou se calhar por esses atributos físicos), mas pelo génio. Recomendado.
De visita a Coimbra comprei o #24 da Revista Nu, dedicada a outra publicações de arquitectura e reflexões de diversos editores e entusiastas, com forte fundo poético. Desenvolvida pelo Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, é de um fantástico cuidado estético. Como este número é de Março do ano 2004, não sei se continua a ser produzida pelos actuais alunos do sexto ano do curso.
Por ocasião deste concerto na sala Lisboeta do Maxime
Fica aqui a divulgação da FlorCaveira, colectivo e editora bem portuguesas, que promove desde 'a uns anos um colectivo de cantautores na língua lusa, com histórias do desengano e bem-dizer. João Coração aparentemente tem um album a sair, e (quase) todo o catálogo é disponibilizado pelo simbólico preço de 1€.
Duas fotografias, a primeira do Cabo da Roca este fim-de-semana, a segunda do Guincho com cerca de um ano.
Cate Blanchett em modo imperial, num papel soberbo como filha de Henrique VIII e Ana Bolena. Esta adaptação história que retrata a ascensão de uma mulher que busca a lealdade e fez das suas convicções inabaláveis o mote para um reinado que apesar do inicio conturbado, transformou a Inglaterra dum estado enfraquecido e ameaçado na maior potência da época. Vale sobretudo pelo valor histórico, apesar de obviamente ter algumas "fantasias" cinematográficas.
Primeiro filme do Almodóvar que vi, é bastante bom. Uma história que cruza o mundo da prostituição com o espectáculo, transexuais com portadores de sida, gravidez indesejada. Altamente recomendado.
De Giuseppe Tornatore, uma história de rapazes, da descoberta da vida por observações silenciosas. Numa Itália iludida pelo fascimo, em guerra, onde é preciso esperar pela idade dos prazeres, que numa vila vem mais vagarosamente. Renato destaca-se dos demais e acha-se merecedor da atenção de Malena, a sua fixação e por quem toda a cidade se sente tentada. Ele, obstinado, vive o sonho acordado, marcando cada intervenção dos outros pretendentes com vingança, julgando os seus desejos mais legítimos e válidos que os do resto da vila Siciliana. Com a vivacidade Italiana a assegurar a boa disposição constante, e será preciso dizer que Malena é Monica Bellucci?