Os três dias de Holden Caulfield, um desajustado que abandona a universidade onde é obrigado a lidar com quem não gosta, para depois ir para Nova Iorque, são narrados em Catcher In The Rye (À Espera No Centeio, estranhamente) de J.D. Sallinger, Americano reclusivo que morreu este ano e que quase não publicou mais desde os anos 60, sendo público que terá mais de quinze livros prontos a publicar.
Se é a vários níveis assinável, há certos reparos a fazer. O realismo da linguagem de Caulfield no seu discurso directo não ultrapassa as barreiras da tradução, pois não sendo um intelectual, a sua linguagem é por vezes embaraçosa quando traduzida. Se todo o ritmo do livro mostra um domínio do respirar narrativo, com constantes intromissões para acrescentar detalhes que atormentam Caulfield, há que dizer que todo ele é desmascarado na primeira parte, enquanto ele está na universidade. Na sua chegada a Nova Iorque, há coisas pouco excitantes a acontecer, talvez nubladas pela aparição da irmã de Caulfield, que concede outra profundidade ao livro. Não querem estas críticas dizer que não é um livro assinável da era moderna, principalmente pelo que ele representou e representa, o alimentar de um sonho de independência. A personalidade de Caulfield é cativante e viria a ser particularmente corrosiva dada a abertura com que fala da falta de paciência para com colegas e pela liberdade com que se entregava aos seus pecados e pensamentos pecaminosos.

Por ser um apreciador do Ribeirinho e este livro só se vender num pacote, fiquei com mais duas cópias d'O Pátio das Cantigas e d'O Pai Tirano, obras dos irmãos Ribeiro.
No primeiro, para além da admirável história do bairro incluem-se 6 curtas de Carlos Marques, O Zé Analfabeto com Vasco Santana, um one man show sobre as dificuldade de um analfabeto, bem como um disco de extras óptimos, como documentários sobre Vasco Santana e António Silva e um filme de António Lopes Ribeiro sobre a electrificação da Carris. Nos extras do outro filme, incluem-se muitas entrevistas sobre e com Lopes Ribeiro e o seu papel no Estado Novo, incluindo um documentário bem extenso da sua autoria sobre a exposição universal.
O livro dedicado aos irmãos Ribeiro é quase exclusivamente sobre António Lopes, muito bem ilustrado e com uma mostra da vitalidade em tantas manifestações artísticas e da sua contribuição ao cinema. Pena tanto os extras como o livro não terem mais material do Ribeirinho, mas vale a pena.

Passado nos anos 80, Is Anybody There? é charmoso, tal como o cândido Michael Caine e com cores excelentes. O protagonista é Edward, um rapaz de 10 anos que convive com a velhice na casa enquanto os seus pais se distraem com outros afazeres. É a procura do que vem depois da morte que o leva a ser obcecado por fantasmas, enquanto desenvolve uma relação frutífera para ambos com Caine.

Depois do volume Saramago, João Céu e Silva compilou a partir de três anos de entrevistas Uma Longa Viagem Com António Lobo Antunes. Goste-se do estilo ou não, é um autor com uma linguagem única, a que se dedica a explorar de corpo e alma. Mais como pessoa, admiro-o pela intolerância para com a menoridade, uma honestidade rara. À medida que o escritor se abre com o entrevistador, começam a aparecer os traumas da guerra, os medos, a culpabilidade, tudo muito assustador.
São muitas páginas, cerca de 500, a que voltei entusiasmado a cada dia, mas quem procura a explicação para os livros, ficará desapontado, pois ele não os relê e lembra-se apenas dos processos de escrita e estilo, a história fica esquecida. É sim, um extenso conjunto de opiniões de um homem fiel aos amigos e sem medo de expor os seus fantasmas.

Escrito por Stan Lauryssens, um negociante de Dali, Dali e Eu conta em retrospectiva as maquinações de um comércio nem sempre transparente (o autor foi preso por vender falsificações). Se a memória de Stan pode ser algo fantasiosa, o carisma dele certamente impeliu-o para uma vida errante. Se o que ele conta da carreira de negociador é chocante, é depois de ser preso que as descrições depravadas de Dali começam, quando ele se muda para uma casa ao lado da dele. Muitas vezes é tão fantástico que se duvida da veracidade dos factos relatados, mas sem dúvida que não é tudo mentira, e como tal, vale a pena surpreendermo-nos com este submundo.

Um pequena história de F. Scott Fitzgerald, Mal Por Mal (The Two Wrongs) é sobre subir na vida, de maneira dúbia, retratando bons vivants e mentiras. O principal personagem, um produtor chamado William McChesney é Fitzgerald clássico. Apesar do curto tamanho da obra, o ritmo é assinalável e a tradução horrível.

O primeiro filme sonoro de Fritz Lang, M. O Vampiro de Düsseldorf foi também o primeiro a ter um assassino em série como protagonista (de crianças, e ainda por cima baseado num caso real). A inteligência ao filmar mostra Peter Lorre (genial) no papel de M., que não deixa pistas, podendo o infanticida ser qualquer pessoa, de entre as muitas personagens competentes. O único defeito será a sonoplastia quase ausente, perdoável tendo em conta que o filme é de 1931. Dado o drama social que se vivia com o tema, a inclusão de alguma comicidade, como o empenho de um sindicato de ladrões, que por temer as movimentações policiais, pede ajuda ao sindicato dos pedintes para apanhar M. traz outra dimensão a esta obra magna. Cenas como quando se desliga a luz da casa, o desaparecimento do som quando se fecha a porta ou a cena em que M. busca a redenção perante os bandidos, são apenas algumas que atestam as competências de Fritz Lang neste percursor dos filmes noir (ainda que sem o elemento feminino), uma obra imperdível, muito completa na edição de dois discos.

Quatro estudiosos de um escritor mistério envolvem-se e alteram os seus destinos em prol da obsessão de saberem quem poderá ele ser. Se as 1000 páginas de 2666 de Roberto Bolaño assustam (e porque são para impressionar), o segundo livro (num total de 5 reunidos neste volume único) é dedicado a Amalfitano e Lola, e aí começa um desenrolar a todos os níveis dispensável. Aquele sentimento de vertigem perante a possibilidade excitante de Bolaño aguentar a histórias dos críticos por mil páginas é defraudado, pois cada livro tem uma perspectiva diferente de um narrador, e esgotam-se neles próprios.
A parte dos crimes é engenhosa, mas pede demais do leitor, dando-lhe nada em troca da atenção. Se como o obra completa, os capítulos não se correlacionam, a ideia de ler os livros individuais é ainda mais frustrante, pois ia estar-se a comprar não uma continuação da história, mas uma outra, com ambientes muito díspares. As personagens aparecem e desaparecem, não existem, servem o livro. Resumindo: entusiasmaste, mas não se concretiza. E se o livro tivesse as 400 páginas boas que tem, e Bolaño não tivesse morrido aos 50 anos sem o finalizar?
Como dito aqui:
Instead of being the epitome of the art of the novel or its salvation, 2666 is, for me, an ambitious attempt at greatness that fails. It represents also the failure of literary critics to recognize the difference between great literature, mediocre literature in the shape of great literature, and pretentions to greatness that are bolstered by a romantic life and an early death.

Parte de uma coleção, A Closer Look: Deceptions & Discoveries serve também como compêndio exposição na National Gallery sobre quadros forjados, alterados, ou mal interpretadores pelos curadores ao longo das décadas. Explica os processos científicos da análise aos quadros, talvez em demasiado detalhe para leigos, e tem uma parte comparativa bem completa. Ainda que a exposição seja mais interessante, vale a pena reter.

Existem uns flyers novos das Industries.

Da série Labels Unlimited, Rough Trade é igualmente de Rob Young, neste caso sobre as lojas, editora e distribuidora Londrinas que alteraram o panorama musical aos poucos. As imagens são todas de grande qualidade, e principalmente as dos anos iniciais, inéditas. A história foca-se no legado que definiu o pós-punk, pela maneira como foi à e se reergueu sobre diversas formas. As bandas de quem mais se fala são os The Fall, The Smiths e Raincoats, entre outros, com a recente encarnação da editora deixada de fora. Recomendável.

Aqui podem ser vistas algumas fotografias que tirei do estúdio do artista Danny Lane.

Com seis postais extra, Cult Films é um livro de 72 páginas escritas por Will Dodson sobre filmes de culto, desde Rocky Horror Picture Show até a Plan 9 From Outer Space. A apresentação é boa e a selecção válida, mas é desorganizado em excesso. Como lista, vale a pena.

Depois de uma ex-namorada desaparecer e ele sentir um pedido de ajuda, um rapaz faz a vida de escola enquanto se infiltra no crime para a tentar encontrar. Os sentimentos depressivos apoderam-se de tudo o resto, sobressaindo apenas a prestação de Joseph Gordon-Levitt em Brick.

A adaptação cinematográfica de Orgulho e Preconceito de Jane Austen por Joe Wright fez as linhas dos jornais há 5 anos, em parte pela afirmação de Keira Knightley, no entanto, a maneira como conduz o romance não é impactante, e do ambiente sofisticado, casamentos e desejos fica apenas a boa fotografia.

O relato na primeira pessoa da vida caótica de Justin Pearson (The Locust, Some Girls, etc) resultou num livro que vale a pena ler se gostarem de música extrema. From The Graveyard To The Arousal Industry não desaponta, os níveis de insanidade são superados com as histórias que JP conta, ainda que apesar do caos, o livro lê-se muito bem, pois ele tem uma boa capacidade de síntese.
Definitivamente um tipo que viveu a vida para contá-la, começa por relatar a violência doméstica e como lidou com o assassínio do pai no Halloween. Bandas e namoradas são o tema principal, e desmitifica uma ideia de rockstar que ele transpareceu ao longo dos anos pelas mentiras e brincadeiras que fazia.

Broken Flowers de Jim Jarmusch tem um ambiente convidativo, um mundo sem obrigações onde nos apetece imergir. Bill Murray, entre encontros e desencontros, decide atravessar o país em busca de quatro antigas amantes depois de receber uma carta que diz que ele tem um filho adolescente. Todos os encontros são desastrosos e o humor temperado é agradável neste filme de 2005.

O livro Talk About Design de Élisabeth Couturier fala sobre o papel dos designers como personalidades públicas, indo desde os primórdios até aos exemplos mais refinados do uso da tecnologia. Os textos são mais apontados a novatos, com algumas considerações interessantes intercaladas com outras mais óbvias, mas as ilustrações e os objectos escolhidos compõe uma boa selecção.
A inclusão de uma revisão de traços de cada década do século passado, bem como um agrupamento de peças por estilo e também de 30 designers e as suas peças mais icónicas fazem deste um volume interessante sobre os diferentes momentos do design contemporâneo que revisita.

OA


Uma nova entrada no blog das OA Industries.

A adaptação do livro City of Glass de Paul Auster por Paul Karasik e David Mazzucchelli transformou-o numa novela gráfica, uma banda desenhada de traços negros. Quinn, depois de perder a mulher e os filhos começa a escrever novelas de crime e a procurar perder-se nas ruas de Nova Iorque, sem querer ser notado, até que um pedido lhe altera o curso. Os jogos duplos e a invenção da linguagem revista são alguns dos pormenores de uma boa adaptação, onde se conserva o elemento surpresa que a escrita de Auster tem, onde com um click, um novo mundo se abre.

O filme noir como estilo e não género, de 1945 a 1958, é o objecto em análise em Film Noir: Bringing Darkness To Light. Como James Ellroy diz, resume-se a conhecer uma mulher e semanas depois estar a ser preso por um crime que não se cometeu, sujeito a tortura. O mal pode triunfar sobre o bem e nessa premissa sobressai o realismo emocional, uma realidade alterada, sem fingimentos, para além dos motivos escondidos das personagens. O documentário de 2006 analisa vários aspectos com um bom painel, muito interessante.

Boas descrições e uma interessante selecção que toca na filosofia, ciência, causas feminista e negra entre outras compõe este livro 100 Life-Changing Books. O formato é reduzido, mas a maneira como está orientada, com mais exemplos dentro do estilo, faz com que seja uma boa fonte de conselhos a quem se interessar por ideias mais new age.

Eagle vs Shark de Taika Waititi é um falso filme independente sobre o amor mais nerd de sempre. A banda sonora indie boa, mas o filme é um autêntico marasmo de acção ou ideias. Posso estar a dizer um grande erro, mas é o tipo de 'humor' que eu associo com o Napoleon Dynamite ou Flight Of The Concords.

Primeiro volume dedicado a Bristol, The World's Greatest Street Art: Bristol é uma tentativa de levar a street art a um mercado maior através de um formato revista, ainda que o conteúdo seja o de um livro. Sendo a cidade natal de Banksy, é o que tem mais destaque, mas artistas como 2D (depois dos Massive Attack) e muitas crews locais têm lugar também. Para além das imagens, há excertos de livros sobre alguns episódios que são reproduzidos e servem para enquadrar uma das principais cidade Europeias que esteve na génese deste movimento.
Esta entrada vem algo atrasada, mas foram coisas que me deram durante uma semana.

Já não via o Gonçalo há uns anos, tipo de impecável bom gosto e que se mantém na mesma, por isso foi bom estar com ele para me dar os ténis. O Ema tem uma editora onde também distribui discos, por isso o de Integrity veio dele. Falando de discos, o André deixou-me ir a casa dele buscar uns para mim, No Warning, Knuckledust e Ancient Rites.


E o Maraf, sempre atencioso, deu-me uma das melhores prendas de anos que já recebi e que demonstram que é capaz de fazer a milha extra. Na altura o Braúlio estava com uma exposição em Lisboa e entregou-me uns discos que ele lançou, edições bem cuidadas, e o disco do Eric Ayotte é particularmente bom.

Tenho de admitir que até esta monografia me chegar às mãos, não conhecia o nome de Chaz Bojórquez, ainda que lhe reconhecesse o estilo. Em The Art and Life of Chaz Bojórquez são revistos pedaços de uma obra total com um processo de aprendizagem de mais de 40 anos. Talvez do passado no graffiti, sente-se a liberdade, a falta de barreiras, e o despejar criativo que é impossível de fazer aleatoriamente, até pelo facto de Chaz não ser um novato (viu a primeira exposição a solo de Andy Warhol na escola onde estudava e falou com Marcel Duchamp num jardim da mesma).
Especialmente na caligrafia dele, a mistura entre o estilo Cholo de LA e da caligrafia Japonesa, há esse sentido de tradição e ao mesmo tempo de inovação, de algo que tem elementos reconhecíeis, mas paira algures acima do que é possível para a humanidade.
A voz dele guia as muitas imagens e a parte final é dedicada apenas aos trabalhos e esboços, onde é possível ver a mestria com que ele domina a tinta (pinta com pincéis em vez de latas). Admite perder anos com alguns quadros, mas o nível de detalhes justifica uma vida dedicada a estas obras de arte.

A primeira novela gráfica de Daniel Clowes escrita de raiz para livro, Wilson, usa apenas seis quadrados por página com diferentes estilos e arranjos tonais, para na página seguinte usar outra combinação desigual, sempre com boas ilustrações. O protagonista é um entediado que busca a conversa, e que ao fim de 16 anos solteiro, espera pela morte do pai e reconquista a namorada, que tinha uma filha dada para adopção. Ele abusa da ironia, e elas trazem-lhe problemas, karma.