Estou a publicar isto aqui, porque depois de me terem feito esta entrevista e de ter tentado perceber se foi publicada ou não, nunca tive uma resposta. Por isso, mesmo que não tenha, aqui está.
VICE: Chega-te leres um jornal daqui e vir cá quando podes?
Miguel: Eu ia, mas não tenho emprego adequado aí. Se pudesse dar aulas na Faculdade de Belas Artes ou assim, aceitava, no entanto a minha família vem da classe baixa, portanto não há cunhas que me safem. Não tenho pressa no entanto, adoro Portugal e tenho imensas coisas para fazer aí, mas lembro-me dos meus professores do secundário e das vidas ridículas que levam e alivio-me em não ter de partilhar espaço com eles.
VICE: Os daí são diferentes?
Miguel: A humanidade no geral é bastante miserável e desinteressante, no entanto, tal como disse, eu só posso olhar em frente e focar-me naquilo e naqueles que são importantes para mim. O mundo hoje em dia, é muito diferente daquele em que eu cresci, e acredito que para pior. Aqui ou nos Estados-Unidos, há coisas muito piores e muitos melhores. Aquilo que cada um de nós faz da vida e a nossa capacidade de criar, no meu caso, deixa-me à-vontade para estar em qualquer sitio. Até se me metessem numa cabana na Serra da Estrela eu me ia divertir e entreter-me com qualquer coisa.
(O que se passa com a Vice e as cabanas na Serra da Estrela?) Pergunta perdida, relativa a hábitos no estrangeiro.
Só como fish and chips num sítio, por ser o único onde é feito com peixe de qualidade. Há dias em que me levanto cedo e vou tomar um pequeno almoço Inglês e vou a um sítio horrível ao pé de minha casa. Hábitos de Londrino, de ir a certos sítios no Verão ou no Inverno por exemplo, tenho vários, agora de Inglês, felizmente que não, há uma história interessante, mas a Portuguesa é muito mais interessante para mim, e as cidades deles estão podres.
VICE: Miguel, saíste de Viseu, que por si só oferece pouco a alguém com tanta fome de procura como tu. Ainda que estejas a viver em Londres há várias anos, o que é que te faz sentir tanto apreço por onde nasceste?
Miguel : Em termos de beleza natural, e as áreas circundantes, significa tudo para mim. Desde os sítios onde eu andava de bicicleta com os meus vizinhos, aos bosques onde ia já mais velho para passear, às diferentes partes da cidade onde ia jogar futebol ou andar de skate, é o único sitio a que sei chamar casa. Tive a sorte de viajar desde bastante cedo com os meus pais, e depois sozinho, porque ninguém queria/podia ver mais coisas, e vejo Viseu como uma vantagem. Relativamente a quase toda a gente que eu conheço, eu consigo ter uma ideia da cidade onde cresceram, enquanto que quanto a mim, nunca ninguém ouviu falar da minha cidade. Para além da cidade, tenho bastante orgulho em ter crescido na Quinta das Lameiras, o meu bairro, e as coisas que lá se passaram até eu ter 15 anos são mágicas e do que mais me definiu a personalidade, definitivamente não trocava essas experiências por nada.
VICE: Ainda assim, o que faz quem és agora é muito mais Londres que Viseu. Tens quê, 23?
Miguel: Tenho 23. Não, o que eu fiz foi aproveitar as oportunidades que me apareceram. Não era suposto eu estar aqui e todos os dias penso nisso, eu olho à minha volta e sei que este não é o meu lugar, porque a mim e aos miúdos com quem eu andei na escola, nem nos disseram o que era a criatividade. Diziam "pensem em ser médicos, engenheiros ou advogados, porque é isso que vos dá dinheiro" e pronto. Se eu tinha despertado para certas coisas ficando em Viseu? Possível, mas não era esse o meu caminho.
VICE: Aplicas o prazer que tens em viver também no que trabalhas?
Miguel: Sim, absolutamente. Para mim faz tudo parte do mesmo, do desejo de criar e de ver coisas diferentes. Não entendo a atitude negativa de algumas pessoas perante os desafios, por mim, se há para fazer, faço-o. As coisas em que eu trabalho acabam por ser sempre divertidas para mim porque me ensinam algo, e olha que já tive situações bem terríveis, mas que em retrospectiva foram óptimas.
VICE: E é aí que entra a Organic Anagram Industries? Num "não sei para onde vou, mas é capaz de ficar do caraças"?
Miguel: Bem, OA começou como um projecto musical. Basicamente queria fazer um album de noise, ninguém que eu conhecesse percebia do assunto, portanto pus mãos 'a obra e saiu um EP que se tornou um "clássico" no meio dos nerds das netlabels, que levou a receber desenhos de miudas, cartas emocionadas de tipos da Ucrânia, entre outras excentricidades. Saíram mais dois albuns e entretanto, estou ocupado com outras coisas. Mas sim, fiz outras coisas, cantei numa banda de hardcore dos arredores de Londres, mas entretanto saí porque eles queriam levar aquilo numa direcção que não me interessava. Neste momento, eu e mais 3 pessoas estamos a tratar de montar uma banda em Lisboa, para gravarmos algo pesado e intenso para refrescar o que se passa em Portugal. Não tem muito interesse em falar das bandas deles, mas pode-se dizer que estou excitado com as possibilidades.
VICE: Sim, mas a OA deixou de ser só um preciosismo musical teu. Certo?
Miguel: Se eu quero fazer, faço-o. Se não sei como se faz, vou descubri-lo. Quanto ao ficar bem ou mal, resume-se a isto: Se eu tenho de o fazer, vou fazê-lo bem. Sou bastante protector quanto a essa ideia, consigo ter uma perspectiva exterior e pensar "se isto fosse feito por outra pessoa, eu ia achar uma boa ou má ideia?", e é isso que me importa. É uma necessidade, se eu não vejo as outras pessoas a terem essas ideias, não vou ficar a lamentar- me, vou fazer isso para mim, e por acréscimo, para pessoas que procuram o mesmo que eu.
Se lhe perguntares sobre a Organic Anagram Industries, é mais ou menos isto que te vai dizer. Para ele, é divertido, e tira-se prazer de falar com os artistas que colaboram com ele, em partilhar as ideias com o resto das pessoas envolvidas, e até em customizar as encomendas que envia.
Para mim, não há qualquer problema em lidar com esses assuntos, gosto bastante de o fazer. Quanto a finalidade, é fortalecer esta comunidade que se tem criado, de pessoas que procuram o mesmo que nós, coisas exclusivas, com mais significado e empenho do que aquilo que se pode comprar num supermercado.
VICE: Tens ideias fortes para o futuro? Isto é, ideias de difícil concretização? Por exemplo, se há uns tempos experimentaste customizar uns próprios ténis para ti, e se há pouco, como o teu blog refere, visitaste a fábrica das New Balance aí no Reino Unido, podem-se esperar produtos de mais difícil execução? Estamos perante uma brand bem reconhecida num futuro ou queres manter isto o mais familiar possível?
Miguel: Ideias fortes, sim, ideias para um público mais abrangente, não. Isto partindo da minha iniciativa. Não me importa ter uma marca reconhecida, se depois muitas delas dão prejuízos contínuos, desrespeitam o cliente e acabam por andar de moda em moda a tentar apanhar o dinheiro fresco de pessoas que não conseguem pensar por elas próprias. Agora, se eu for abordado para customizar um relógio, desenhar um relógio ou lançar uma cor de uns ténis, é algo que gostava de fazer, em números limitados, pelo processo criativo e para oferecer algo diferente e cativar mais gente para o que fazemos.
Pergunta relativamente ao tipo de público que nos contacta e ao facto de um poder ou não controlar quem compra as coisas, que ficou perdida.
Tenho atenção a quem apelamos, porque se alguém me escreve a dizer "gostei da influência disto naquela t-shirt", então essa pessoa tem algo em comum comigo e eu quero saber mais sobre ela. De igual modo, não posso gostar ou desgostar de quem use as nossas coisas, a marca é maior do que eu, e em decisões de negócio eu não quero nem posso trazer, por exemplo, as invejas de que quase toda a gente acaba por ser vitima ou algum elitismo. A marca existe aberta a todos os que a queiram apoiar, e não podia pedir outra coisa.
VICE: Queres então manter a OAI num crescimento bem sustentável, não é? Sem olhos a mais que barriga.
Miguel: Obrigado pelo André, que é mais calculoso que eu nesses assuntos, tive de fazer um business plan para a marca, e ficou definido que temos intenção de crescer, calmamente. Todos os passos que demos são muito bem pensados, por isso nunca perdemos dinheiro (tal como não fizemos, pois não temos lucros, apenas cobrimos os custos de produção), e já tivemos de deixar passar alguns produtos que embora apelativos, ou só podiam ser em números muito elevados, ou o preço final não ia ser justo para as pessoas que nos apoiam.
VICE: Quantos sacos de plástico cheios de cd's originais me deste tu? Eram tantos, apanhava desde Hatebreed a Hip-hop's. E acho que apanhei com jazz. Como que raio arranjavas tu aquilo para Viseu em quantidades tão grandes? A culpa de tanta música vem dos teus pais?
Miguel: Acredito que bastantes. Sempre gostei de poder partilhar coisas e de mostrar CDs ou livros a amigos meus, provavelmente porque cresci sem gente que gostava do mesmo que eu em termos culturais, por isso, depois de emprestar, já angariei mais algumas pessoas para a causa do que eu gosto. Só posso oferecer a minha opinião, algumas vezes agrada-se e acabo por influenciar os gostos das pessoas, outras vezes reconhecem que aquilo tem qualidade mas não lhes agrada, ou então que os meus gostos são esquisitos de mais. Quanto ao arranjar as coisas, deve-se a ler revistas e na altura na internet, sempre soube usar bem os meios que tinha 'a disposição, tal como sempre conheci gente mais velha que lá deve ter entendido que eu tinha interesse em saber mais. É a tal coisa, eu não inventei a pólvora, só faço o que fizeram comigo, ou noutras situações, o que eu gostava que tivessem feito.
VICE: Portanto, tu estás algures entre o nunca estar homesick e o querer estar sempre onde as coisas têm significado para ti, ou tiveram.
Miguel: Mais do que ter saudades de casa e dos meus amigos, eu tenho saudades de como cresci. Eu tinha 10 anos, e juntamente com os meus vizinhos, nós estávamos na rua a jogar futebol até às 3 da manhã. No dia seguinte levantávamo-nos e íamos todos andar de bicicleta por caminhos de terra, a descobrir o que havia à nossa volta. Cada um tem as suas experiências, e estas são as minhas e do mais valioso que eu tenho. E eu tenho muitas saudades de casa, simplesmente evito pensar nisso, porque já vi tanta gente desistir de oportunidades que tiveram por não aguentarem com isso. Quando me mudei para Londres, cheguei cá com uma mala e disseram-me que não tinha quarto. Podia-te dizer sobre a quantidade de vezes que me senti injustiçado pela cidade, mas isso era ignorar tudo o que de bom me aconteceu, e tenho a certeza que quando sair daqui, ainda me vou aperceber de mais coisas. É a mesma coisa com o sitio onde cresci, será que vou focar-me nas pessoas que me diziam que eu nunca ia ser nada ou naquelas que me puxavam para o lado e diziam que acreditavam em mim? Consigo esquecer bem os desapontamentos para me lembrar de tudo o que de bom me aconteceu.
VICE: Aplicas o que vives e como vives na tua marca Organic Anagram Industries e partilha-as para quem a representa.
Miguel: Para mim, aquilo que gosto divulgo e há-de-me excitar sempre.
VICE: Chega-te leres um jornal daqui e vir cá quando podes?
Miguel: Eu ia, mas não tenho emprego adequado aí. Se pudesse dar aulas na Faculdade de Belas Artes ou assim, aceitava, no entanto a minha família vem da classe baixa, portanto não há cunhas que me safem. Não tenho pressa no entanto, adoro Portugal e tenho imensas coisas para fazer aí, mas lembro-me dos meus professores do secundário e das vidas ridículas que levam e alivio-me em não ter de partilhar espaço com eles.
VICE: Os daí são diferentes?
Miguel: A humanidade no geral é bastante miserável e desinteressante, no entanto, tal como disse, eu só posso olhar em frente e focar-me naquilo e naqueles que são importantes para mim. O mundo hoje em dia, é muito diferente daquele em que eu cresci, e acredito que para pior. Aqui ou nos Estados-Unidos, há coisas muito piores e muitos melhores. Aquilo que cada um de nós faz da vida e a nossa capacidade de criar, no meu caso, deixa-me à-vontade para estar em qualquer sitio. Até se me metessem numa cabana na Serra da Estrela eu me ia divertir e entreter-me com qualquer coisa.
(O que se passa com a Vice e as cabanas na Serra da Estrela?) Pergunta perdida, relativa a hábitos no estrangeiro.
Só como fish and chips num sítio, por ser o único onde é feito com peixe de qualidade. Há dias em que me levanto cedo e vou tomar um pequeno almoço Inglês e vou a um sítio horrível ao pé de minha casa. Hábitos de Londrino, de ir a certos sítios no Verão ou no Inverno por exemplo, tenho vários, agora de Inglês, felizmente que não, há uma história interessante, mas a Portuguesa é muito mais interessante para mim, e as cidades deles estão podres.
VICE: Miguel, saíste de Viseu, que por si só oferece pouco a alguém com tanta fome de procura como tu. Ainda que estejas a viver em Londres há várias anos, o que é que te faz sentir tanto apreço por onde nasceste?
Miguel : Em termos de beleza natural, e as áreas circundantes, significa tudo para mim. Desde os sítios onde eu andava de bicicleta com os meus vizinhos, aos bosques onde ia já mais velho para passear, às diferentes partes da cidade onde ia jogar futebol ou andar de skate, é o único sitio a que sei chamar casa. Tive a sorte de viajar desde bastante cedo com os meus pais, e depois sozinho, porque ninguém queria/podia ver mais coisas, e vejo Viseu como uma vantagem. Relativamente a quase toda a gente que eu conheço, eu consigo ter uma ideia da cidade onde cresceram, enquanto que quanto a mim, nunca ninguém ouviu falar da minha cidade. Para além da cidade, tenho bastante orgulho em ter crescido na Quinta das Lameiras, o meu bairro, e as coisas que lá se passaram até eu ter 15 anos são mágicas e do que mais me definiu a personalidade, definitivamente não trocava essas experiências por nada.
VICE: Ainda assim, o que faz quem és agora é muito mais Londres que Viseu. Tens quê, 23?
Miguel: Tenho 23. Não, o que eu fiz foi aproveitar as oportunidades que me apareceram. Não era suposto eu estar aqui e todos os dias penso nisso, eu olho à minha volta e sei que este não é o meu lugar, porque a mim e aos miúdos com quem eu andei na escola, nem nos disseram o que era a criatividade. Diziam "pensem em ser médicos, engenheiros ou advogados, porque é isso que vos dá dinheiro" e pronto. Se eu tinha despertado para certas coisas ficando em Viseu? Possível, mas não era esse o meu caminho.
VICE: Aplicas o prazer que tens em viver também no que trabalhas?
Miguel: Sim, absolutamente. Para mim faz tudo parte do mesmo, do desejo de criar e de ver coisas diferentes. Não entendo a atitude negativa de algumas pessoas perante os desafios, por mim, se há para fazer, faço-o. As coisas em que eu trabalho acabam por ser sempre divertidas para mim porque me ensinam algo, e olha que já tive situações bem terríveis, mas que em retrospectiva foram óptimas.
VICE: E é aí que entra a Organic Anagram Industries? Num "não sei para onde vou, mas é capaz de ficar do caraças"?
Miguel: Bem, OA começou como um projecto musical. Basicamente queria fazer um album de noise, ninguém que eu conhecesse percebia do assunto, portanto pus mãos 'a obra e saiu um EP que se tornou um "clássico" no meio dos nerds das netlabels, que levou a receber desenhos de miudas, cartas emocionadas de tipos da Ucrânia, entre outras excentricidades. Saíram mais dois albuns e entretanto, estou ocupado com outras coisas. Mas sim, fiz outras coisas, cantei numa banda de hardcore dos arredores de Londres, mas entretanto saí porque eles queriam levar aquilo numa direcção que não me interessava. Neste momento, eu e mais 3 pessoas estamos a tratar de montar uma banda em Lisboa, para gravarmos algo pesado e intenso para refrescar o que se passa em Portugal. Não tem muito interesse em falar das bandas deles, mas pode-se dizer que estou excitado com as possibilidades.
VICE: Sim, mas a OA deixou de ser só um preciosismo musical teu. Certo?
Miguel: Se eu quero fazer, faço-o. Se não sei como se faz, vou descubri-lo. Quanto ao ficar bem ou mal, resume-se a isto: Se eu tenho de o fazer, vou fazê-lo bem. Sou bastante protector quanto a essa ideia, consigo ter uma perspectiva exterior e pensar "se isto fosse feito por outra pessoa, eu ia achar uma boa ou má ideia?", e é isso que me importa. É uma necessidade, se eu não vejo as outras pessoas a terem essas ideias, não vou ficar a lamentar- me, vou fazer isso para mim, e por acréscimo, para pessoas que procuram o mesmo que eu.
Se lhe perguntares sobre a Organic Anagram Industries, é mais ou menos isto que te vai dizer. Para ele, é divertido, e tira-se prazer de falar com os artistas que colaboram com ele, em partilhar as ideias com o resto das pessoas envolvidas, e até em customizar as encomendas que envia.
Para mim, não há qualquer problema em lidar com esses assuntos, gosto bastante de o fazer. Quanto a finalidade, é fortalecer esta comunidade que se tem criado, de pessoas que procuram o mesmo que nós, coisas exclusivas, com mais significado e empenho do que aquilo que se pode comprar num supermercado.
VICE: Tens ideias fortes para o futuro? Isto é, ideias de difícil concretização? Por exemplo, se há uns tempos experimentaste customizar uns próprios ténis para ti, e se há pouco, como o teu blog refere, visitaste a fábrica das New Balance aí no Reino Unido, podem-se esperar produtos de mais difícil execução? Estamos perante uma brand bem reconhecida num futuro ou queres manter isto o mais familiar possível?
Miguel: Ideias fortes, sim, ideias para um público mais abrangente, não. Isto partindo da minha iniciativa. Não me importa ter uma marca reconhecida, se depois muitas delas dão prejuízos contínuos, desrespeitam o cliente e acabam por andar de moda em moda a tentar apanhar o dinheiro fresco de pessoas que não conseguem pensar por elas próprias. Agora, se eu for abordado para customizar um relógio, desenhar um relógio ou lançar uma cor de uns ténis, é algo que gostava de fazer, em números limitados, pelo processo criativo e para oferecer algo diferente e cativar mais gente para o que fazemos.
Pergunta relativamente ao tipo de público que nos contacta e ao facto de um poder ou não controlar quem compra as coisas, que ficou perdida.
Tenho atenção a quem apelamos, porque se alguém me escreve a dizer "gostei da influência disto naquela t-shirt", então essa pessoa tem algo em comum comigo e eu quero saber mais sobre ela. De igual modo, não posso gostar ou desgostar de quem use as nossas coisas, a marca é maior do que eu, e em decisões de negócio eu não quero nem posso trazer, por exemplo, as invejas de que quase toda a gente acaba por ser vitima ou algum elitismo. A marca existe aberta a todos os que a queiram apoiar, e não podia pedir outra coisa.
VICE: Queres então manter a OAI num crescimento bem sustentável, não é? Sem olhos a mais que barriga.
Miguel: Obrigado pelo André, que é mais calculoso que eu nesses assuntos, tive de fazer um business plan para a marca, e ficou definido que temos intenção de crescer, calmamente. Todos os passos que demos são muito bem pensados, por isso nunca perdemos dinheiro (tal como não fizemos, pois não temos lucros, apenas cobrimos os custos de produção), e já tivemos de deixar passar alguns produtos que embora apelativos, ou só podiam ser em números muito elevados, ou o preço final não ia ser justo para as pessoas que nos apoiam.
VICE: Quantos sacos de plástico cheios de cd's originais me deste tu? Eram tantos, apanhava desde Hatebreed a Hip-hop's. E acho que apanhei com jazz. Como que raio arranjavas tu aquilo para Viseu em quantidades tão grandes? A culpa de tanta música vem dos teus pais?
Miguel: Acredito que bastantes. Sempre gostei de poder partilhar coisas e de mostrar CDs ou livros a amigos meus, provavelmente porque cresci sem gente que gostava do mesmo que eu em termos culturais, por isso, depois de emprestar, já angariei mais algumas pessoas para a causa do que eu gosto. Só posso oferecer a minha opinião, algumas vezes agrada-se e acabo por influenciar os gostos das pessoas, outras vezes reconhecem que aquilo tem qualidade mas não lhes agrada, ou então que os meus gostos são esquisitos de mais. Quanto ao arranjar as coisas, deve-se a ler revistas e na altura na internet, sempre soube usar bem os meios que tinha 'a disposição, tal como sempre conheci gente mais velha que lá deve ter entendido que eu tinha interesse em saber mais. É a tal coisa, eu não inventei a pólvora, só faço o que fizeram comigo, ou noutras situações, o que eu gostava que tivessem feito.
VICE: Portanto, tu estás algures entre o nunca estar homesick e o querer estar sempre onde as coisas têm significado para ti, ou tiveram.
Miguel: Mais do que ter saudades de casa e dos meus amigos, eu tenho saudades de como cresci. Eu tinha 10 anos, e juntamente com os meus vizinhos, nós estávamos na rua a jogar futebol até às 3 da manhã. No dia seguinte levantávamo-nos e íamos todos andar de bicicleta por caminhos de terra, a descobrir o que havia à nossa volta. Cada um tem as suas experiências, e estas são as minhas e do mais valioso que eu tenho. E eu tenho muitas saudades de casa, simplesmente evito pensar nisso, porque já vi tanta gente desistir de oportunidades que tiveram por não aguentarem com isso. Quando me mudei para Londres, cheguei cá com uma mala e disseram-me que não tinha quarto. Podia-te dizer sobre a quantidade de vezes que me senti injustiçado pela cidade, mas isso era ignorar tudo o que de bom me aconteceu, e tenho a certeza que quando sair daqui, ainda me vou aperceber de mais coisas. É a mesma coisa com o sitio onde cresci, será que vou focar-me nas pessoas que me diziam que eu nunca ia ser nada ou naquelas que me puxavam para o lado e diziam que acreditavam em mim? Consigo esquecer bem os desapontamentos para me lembrar de tudo o que de bom me aconteceu.
VICE: Aplicas o que vives e como vives na tua marca Organic Anagram Industries e partilha-as para quem a representa.
Miguel: Para mim, aquilo que gosto divulgo e há-de-me excitar sempre.
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