O que eu queria mesmo dizer, eram as palavras da Joana:
O esmagador peso do céu, último resguardo de todos os que estão abaixo de um Deus desconhecido, proporciona um ambiente hostil para receber o espectador, não obstante o deleite visual que é este filme-monumento, obra equidestante da luz e da escuridão. O canto do cisne em húngaro de Béla Tarr, um realizador que não engana ninguém, pois é garantido o conteúdo e a forma da sua criação, é uma janela semicerrada à esperança, um profundo estado depressivo mas resignado do apocalipse com que as personagens coabitam e cujo aprofundamento e imersão total se avizinha.
O único ano mencionado é o de 1889, aquando a repescagem de Nietzsche para uma alegoria que envolve um cavalo. Esse cavalo, que desistiu mais cedo do que todos, compõe uma família, dê por onde der, com um pai e uma filha, que não se relacionam, apesar de ocuparem o mesmo espaço físico durante os rotineiros dias que dura a sequência. O fim dos dias aproxima-se, e a ideologia que seguiram em tempos, deixou-os sozinhos e isolados, com um poço que há-de secar, e um cavalo que há-de morrer, destino que os perseguirá na escuridão que se vai abater. A violência do vento cortante em espiral, enrodilhado com o sussurrar viperino, perspectivam as sombras que se abatem sobre este ermo que serve de morada à infortuna família desregulada. A compreensão que a filha tem em relação ao cavalo não é espelhada na sua relação com o pai, de presença altiva, como manda a tradição. Mas eles reencontram-se, por turnos, diante da janela da casa. E assusta não haver um resguardo para nos proteger do apagão final, essa imensa eternidade que se vai abater sobre o casebre do filme, e o resto do mundo. Mas a história desta família é também a da humanidade? Ou é uma charada sem significado? Estará a chave na natureza premonitória da raça cigana, que se recusa a construir telhados?
A partida dos três personagens, influenciada pelo agravamento do clima, tem como eco o retorno imediato. A câmara, estanque, sabe que a família vai voltar. O destino estava traçado há muito, e não podem fugir dele. As pessoas são frágeis e esfarelam-se tal como as batatas cozidas que a família ingere todos os dias sem excepção. O pai diz pouco e recebe uns favores da filha. O pai é também o outro pai da civilização ocidental, é Deus, calado, ausente, incapaz. Tudo o que há para dizer, é dito em segundos. A força que é preciso para todas as tarefas no meio rural, está em falta.
Para além do silêncio interpelado pelo vento assombroso, que deixa a narrativa sem resposta, sobressai a inesquecível, termo empregue após deliberação, fotografia. O plano-sequência com a bengala da música circular e hipnotizante (Mihály Víg). As inúmeras referências estéticas retiradas de séculos de pintura, que compõe tanto os planos mais memoráveis do filme, como aqueles que se perdem pela sua aparente (e falsa) vulgaridade, são um manancial por explorar, embutido nos cenários construídos para a ocasião. O tempo despendido a cada plano é recompensado pelos actores. Cada ruga do pai fica marcada no espectador, cada músculo do cavalo, cada fio de cabelo da filha.
Agora, o cinema de Tarr apagou-se. Mas as sementes que deixa, hão-de ver a luz do dia. Quanto a este filme, não há dúvidas, foi o fim. Não sobra luz e as pedras só terra têm de companhia, para sempre.
Mas que bela tarde! Foram, impossivelmente, os 140 minutos mais bem passados da minha vida. No decorrer das repetições dos dias que começam e acabam e começam e acabam da mesma maneira, fui invadida por um vasto manancial de emoções, da sonolência à raiva. Reconheço beleza neste Cavalo de Turim, mas o que eu vi foi uma sequência de fotografias a preto e branco. E voltei a vê-las. E baralha, distribuí e sai o mesmo jogo ainda assim. É uma repetição. Mas são bonitas as fotografias.Mas vou antes dizer isto:
Sei que pode não ser uma opinião agradável de acordo com as normas do bom gosto e do bem falar, e compreendo que o sustento da história seja o poder do homem sobre a natureza, que findos os sete dias, se vê não ser nenhum, mas que paciência que é preciso! Isso, e coragem para ver este filme, e eu, tal como o outro, (sobre)vivi para contá-la. E comi pipocas durante a sessão.
Bem espremido eram cinco minutos de um filme qualquer, e podia-se resumir que era um dia de vento em que um cavalo não queria trabalhar. Mas foi mais, e dei por mim a fazer apostas cá com os meus botões, ao lado em que o cabelo da filha ia cair com o vento. Para ver pessoas a descascar batatas ajudava a minha mãe com a ceia de Natal! Há um plano longo em que decidem abandonar a casa e caminhar pelo monte acima, para lá da árvore, mas abandonam a ideia e regressam a casa pelo mesmo caminho. Disseram-me ser uma cena bonita, e eu suponho que sim, que adormeci e só os vi a regressar. A rever em dias cinzentos de sonolência.
O esmagador peso do céu, último resguardo de todos os que estão abaixo de um Deus desconhecido, proporciona um ambiente hostil para receber o espectador, não obstante o deleite visual que é este filme-monumento, obra equidestante da luz e da escuridão. O canto do cisne em húngaro de Béla Tarr, um realizador que não engana ninguém, pois é garantido o conteúdo e a forma da sua criação, é uma janela semicerrada à esperança, um profundo estado depressivo mas resignado do apocalipse com que as personagens coabitam e cujo aprofundamento e imersão total se avizinha.
O único ano mencionado é o de 1889, aquando a repescagem de Nietzsche para uma alegoria que envolve um cavalo. Esse cavalo, que desistiu mais cedo do que todos, compõe uma família, dê por onde der, com um pai e uma filha, que não se relacionam, apesar de ocuparem o mesmo espaço físico durante os rotineiros dias que dura a sequência. O fim dos dias aproxima-se, e a ideologia que seguiram em tempos, deixou-os sozinhos e isolados, com um poço que há-de secar, e um cavalo que há-de morrer, destino que os perseguirá na escuridão que se vai abater. A violência do vento cortante em espiral, enrodilhado com o sussurrar viperino, perspectivam as sombras que se abatem sobre este ermo que serve de morada à infortuna família desregulada. A compreensão que a filha tem em relação ao cavalo não é espelhada na sua relação com o pai, de presença altiva, como manda a tradição. Mas eles reencontram-se, por turnos, diante da janela da casa. E assusta não haver um resguardo para nos proteger do apagão final, essa imensa eternidade que se vai abater sobre o casebre do filme, e o resto do mundo. Mas a história desta família é também a da humanidade? Ou é uma charada sem significado? Estará a chave na natureza premonitória da raça cigana, que se recusa a construir telhados?
A partida dos três personagens, influenciada pelo agravamento do clima, tem como eco o retorno imediato. A câmara, estanque, sabe que a família vai voltar. O destino estava traçado há muito, e não podem fugir dele. As pessoas são frágeis e esfarelam-se tal como as batatas cozidas que a família ingere todos os dias sem excepção. O pai diz pouco e recebe uns favores da filha. O pai é também o outro pai da civilização ocidental, é Deus, calado, ausente, incapaz. Tudo o que há para dizer, é dito em segundos. A força que é preciso para todas as tarefas no meio rural, está em falta.
Para além do silêncio interpelado pelo vento assombroso, que deixa a narrativa sem resposta, sobressai a inesquecível, termo empregue após deliberação, fotografia. O plano-sequência com a bengala da música circular e hipnotizante (Mihály Víg). As inúmeras referências estéticas retiradas de séculos de pintura, que compõe tanto os planos mais memoráveis do filme, como aqueles que se perdem pela sua aparente (e falsa) vulgaridade, são um manancial por explorar, embutido nos cenários construídos para a ocasião. O tempo despendido a cada plano é recompensado pelos actores. Cada ruga do pai fica marcada no espectador, cada músculo do cavalo, cada fio de cabelo da filha.
Agora, o cinema de Tarr apagou-se. Mas as sementes que deixa, hão-de ver a luz do dia. Quanto a este filme, não há dúvidas, foi o fim. Não sobra luz e as pedras só terra têm de companhia, para sempre.
03:01 |
Category: |