Há filmes maus e depois há Eternal Sunshine Of The Spotless Mind. De toda a gente que diz bem deste filme, eu duvido que alguém tenha visto o que eu vi. Se não fosse Mark Ruffalo e Kirsten Dunst a darem um bocado de côr e animação, Jim Carrey não passava de uma curiosidade num papel sério. O conceito de apagar alguém da mente é patético, o que não é dizer improvável, mas num filme é duvidoso e desinteressante, já que este filme de Michel Gondry não é nenhum I.A. nem Minority Report, dada a sua leviandade.

Uma produção Australiana, Little Fish é praguejado por uma voz de narrador constante e entediante, que nunca deixa o filme realmente desenrolar-se. É como ouvir um filme contado por outra pessoa, sem o ver, ao ponto de nem Cate Blanchett o tornar digestível. Conta a reconstrução desta como pessoa, de mãe solteira a ir ao encontro dos sonhos que tinham sido adiados.

Infelizmente ainda só vi a primeira série d'Os Sopranos, que me foi gentilmente oferecida. É realmente muito boa e arrependo-me de não ter seguido em tempo real, ainda que mesmo vendo tudo de enfiada em DVD, parece que há sempre mais a descobrir.
O lado humano de Tony Soprano, a desmistificação de um líder criminoso pode ser a forma de apanhar um público maior, mas aquilo que sobressai é mesmo a consistência de tudo o que a família Soprano se vê envolvida. E é exactamente esse enquadramento que é o apelo da série, o facto de toda a gente ter um papel forte à volta de Tony, desde os ajudantes no Bada Bing até à mãe e mulher dele.

De todas as comédias românticas e melosas que se insistem em repetir a si próprias, Love Actually talvez seja das mais interessantes. Centrado na época natalícia, desde um músico envelhecido a sonhar com o sucesso, ao Primeiro-Ministro Inglês, acompanha-se o desenrolar de relações pouco comuns, tendo todas as histórias espaço para se desenvolverem. A banda sonora também é interessante, para oferecer naquelas ocasiões.

Algures entre a acção e a ficção científica existe Casshern de 2004, uma adaptação de manga para um "filme real". No final do século XXI, a Europa deu lugar à Eurasia, vitoriosa numa guerra de agregação, num mundo infestado por químicos e armas nucleares. A forma de resolver tudo, é pegando no filho de um médico e ressuscitá-lo, para ele se tornar num herói numa guerra contra robots. Como este resumo mostra, o filme não traz nada de novo em termos de história e é até excessivamente longo, no entanto é inegável a beleza das cenas, um híbrido de animação, CGI e representação.

Chapter 27 segue os 2 dias em Nova Iorque que antecedem o assassínio de John Lennon por Mark Chapman, na perspectiva deste último. É um filme simples, com Jared Leto convincente e uma boa forma de um público diferente se aperceber do acontecimento que matou o positivismo dos anos 70. Entra a Lindsay Lohan, que não compromete e até tem uma interpretação muito boa.

Um homem e uma mulher reconhecem-se num grupo de convidados numa festa e tentam reconstruir a memória do que aconteceu há 10 anos. May Bartram e John Marcher caminham então, lado a lado, numa escrita de Henry James que vai revelando aos poucos, destapando a história progressivamente. Com A Fera na Selva, só na ausência se percebe o que faltou em toda a vida e com a morte da companheira, Marcher se apercebeu do que ela podia ter sido. Apesar das insinuações contínuas, deixaram passar o tempo com discussões abstractas em vez de olharem para o futuro.
É um livro que marca, dada a qualidade literária das palavras da Henry James, e da aplicabilidade do carácter de Marcher à vida de cada um de nós. A forma como o tempo da narrativa, um presente sufocante a olhar para um passado que não é mais do que uma mancha que o leitor desconhece, concede uma neblina às certezas e segredos de May e John.

Em 1961, Viridiana marcou o regresso de Buñuel a Espanha. A uma freira, Viridiana portanto, é pedido que vá visitar um tio doente, o único parente que lhe resta. Ao chegar lá, acaba por ficar mais tempo e perante a recusa em casar-se com o tio, este suicida-se, impossibilitando a sobrinha de regressar ao convento. As questões que ela lhe coloca são perversas e ele revê traços da mulher na sobrinha, tornando-se possessivo. A casa torna-se um abrigo para necessitados e inicia-se outra narrativa, uma crítica à incapacidade de governar, quando Viridiana se ausenta de casa e os sem-abrigo se demonstram incapazes de se controlarem a eles próprios.
Dado os abusos que uma freira sofre, não admira que o filme tenha sido acusado de obscenidade e blasfémia pelo governo Espanhol e pelo Vaticano. Excelente.

Introducing é uma série de livros que alia um professor a um designer gráfico para explicarem conceitos geralmente ligados à ciência e filosofia. Introducing Empiricism é muito interessante, uma introdução à filosofia empírica assente na experiência e percepção. John Locke é dos mais visados depois de uma introdução que, para além de analisar as correntes precedentes, cruza referências com as artes. A ideia de Locke gira à volta de como o mundo apenas existe na representação mental que damos de acordo com os sinais captados pelos sentidos e processados pelo cérebro. Daí, parte-se para o idealismo de Berkeley, radical ao negar o material, pois tudo o que existe só existe quando percepcionado pela nossa mente.
A ideia de Hume de diferenciar ideia de impressão é muito interessante, bem como a relação causa-efeito não ter fundamento prático.
Aquilo que vemos pode nem existir num mundo físico, mas aquilo que pensamos ver é inegável. O empiricismo é epistemológico, preocupado com a sabedoria, cuja mais importante fonte é a percepção. A clareza e o humor de Dave Robinson a escrever torna ainda mais apetecível a matéria.

Passado na Roma de Nero, Satyricon é o que se denomina por festim visual, uma adaptação livre do livro do mesmo nome de Petronio, onde são descritos episódios satíricos na Roma Imperial. A decadência e a brutalidade, a apetência para violar o profano, a abundância e opulência são presença na história de dois professores que se envolvem em vários episódios. Particularmente marcantes nesta celebração das artes são aqueles em que resgatam Hermafrodite, as decapitações em alto mar e o labirinto do Minotauro.
A quantidade e grandeza dos cenários é colossal, e em última instância, Satyricon é sobre a fragilidade humana e de como o homem é o seu pior inimigo.
Aparentemente, a ideia de traduzir as vozes dos actores Ingleses para Italiano, deixando-os ligeiramente fora de sincronização foi um efeito buscado por Fellini para alienar ainda mais o espectador. De génio.

Appleseed (na versão de 1988 que foi directamente para video, não confundir com esta de 2004) é baseado nas séries de televisão, apesar da história diferir. A acção (não tanta como é habitual nos manga) é passada num cenário pós-apocalíptico, depois de uma III Guerra Mundial, na cidade Olympus governada por cyborgs, e acompanha as fricções na luta pela sobrevivência e pela liderança sobre os pares. Para o fazerem, os humanos têm de destruir o computador central Gaia e assim adquirir a liberdade, tendo uma forte oposição policial.

Não pertencendo ao grupo dos cépticos anti-Lynch, há certas coisas que não compreendo. Twin Peaks (Fire Walk With Me) é péssimo, não sendo surpresa que tenha sido vaiado em Cannes quando estreou em 1992. Outras críticas a apontar a falta de qualidade do filme podem ser lidas aqui.
A investigação do assassínio de Teresa Banks e a ultima semana da vida de Laura Palmer, a base do filme, servem de prólogo e epílogo para a série de televisão com o mesmo nome. A evitar, a qualquer custo.

Depois de se divorciarem, o pai de Sarah exila-se na costa de Gales, apenas com um ajudante, Daffyd. Algo se começa a manifestar quando a filha e a ex-mulher chegam para o visitar, no contacto com o misticismo do local. The Dark é surpreendentemente bom, não há nele nada de inovador, mas é tudo bem feito. Joga com a mitologia gaélica e a passagem dos mortos para o mundo dos vivos.
Os actores são todos fantásticos, incluindo Sarah (Sophie Stuckey), a quem se prevê uma carreira brilhante. Os efeitos, a história com suficientes pormenores, as cores e iluminação. Bastante recomendável para quem gosta de filmes de terror.

American History X retrata bem o tipo de frustrado ocioso que se acha capaz de mudar um mundo que já existia antes, para impressionar crianças confusas, que nunca se defenderam sozinhos. Edward Norton era um activista do white power, mas depois de passar 3 anos numa prisão, apercebe-se de quem realmente está do lado dele, e deixa de olhar ao tom de pele. A sua nova visão é um choque para o irmão mais novo que o tem como exemplo, a namorada e todos os antigos amigos. Norton retrata bem ambos os lados e o modo de filmar a preto e branco a induzir um maior realismo do que quando usadas as cores é um pormenor interessante, no entanto, o filme parece incompleto, com demasiados episódios a sucederem-se num curto espaço de tempo e um certo exagero nos olhares ao passado.

Em Custom Kicks, 140 artistas customizaram ténis e o trabalho está exposto ao longo de 235 páginas de boa qualidade gráfica. Desde trabalhos feitos para a ocasião, a convite dos autores a estúdios de design, até exemplares premiados, há de tudo, minimalistas e ilustrados, até mais arrojados e influenciados pelo grafitti. Curiosamente, alguns dos que parecem mais amadores são comissionados por empresas, e outros parecem produzidos em série, tal a qualidade dos acabamentos.
Para além da mostra de creatividade que é, Custom Kicks é também uma forma de expor o público ao trabalho de muitos ilustradores aqui presentes.

Bobby segue a onda de esperança da candidatura do senador Robert Kennedy até à noite da morte no Hotel Ambassador. Indo da vida do povo, homens comuns, desde imigrantes Mexicanos até organizadores de campanha, é uma bela homenagem, que reincide na mensagem englobante do candidato, onde cada um importava, acabando por estar todos ligados na hora do assassínio, em grau de igualdade.
Deve ser feita uma menção aos actores, que vão desde Anthony Hopkins e Heather Graham até Lindsay Lohan, Demy Moore e Sharon Stone.

Dubfiles é um documentário sobre dubstep do ano passado. Não será de grande utilidade a principiantes, mas é útil a quem vai a festas, para conhecer as caras por detrás da musica. Tal como as noites de dubstep, o documentário é bastante desorganizado, sendo praticamente feito de colagens de entrevistas com cerca de 10 minutos cada, sem intromissões a artistas como Skream, Benga e Joe Nice. Não que eles tenham muito para dizer, dada a vertente "física" do estilo sobrepor-se ao conceito ou possível mensagem. Notável a projecção que tem hoje em dia, com alguns dos entrevistados mais conceituados a fazerem a vida pelo mundo fora apenas a tocar dubstep. São quase 3 horas de entrevistas e está explicado o motivo do Caspa e do Rusko terem feito um Fabric Live (os J.U.S.T.I.C.E fizeram uma mistura má, e o Fabric convidou-os de Sexta para Segunda-Feira para irem lá misturar tudo em duas horas no Room 3, sozinhos com o engenheiro).

O que sobressai em The Woodsman é o incrível talento de Kevin Backon, que representa suavemente as dificuldades que um ex-condenado enfrenta ao reajustar-se à vida de civil. O balanço da auto-confiança de um homem decente, fragilizado pela acções da sua condição mental de pedófilo, as batalhas que enfrenta contra si próprio de modo a suprimir os instintos e não reincidir, são espelhadas naquele olhar cândido de Bacon. Um espectáculo a solo.

Em A Minha Mulher de Anton Tchekov, Pavel vive no andar de cima, isolado da mulher, Natalia. Existe um confronto sempre que ocupam o mesmo espaço físico, enquanto no exterior a Rússia é assolada pela fome e miséria.
Ao tentar reatar a relação, os problemas mantém-se e Pavel decide abandonar a casa. No caminho para o exílio, não se imagina a envelhecer em S. Petersburgo, por isso na estação de comboio, reflecte e volta para casa. O caminho para a conclusão é uma busca pelo que é a riqueza e o que se terá de fazer para atingi-la. O formato de conto (estendido) trabalhado por Tchekov, é trabalho de mestre.

Memento de Christopher Nolan é um bom exemplo de um filme sobrevalorizado. A força está todo na argumento, tirando isso, é desinteressante. A premissa de Leonard não conseguir assimilar informação nova e para isso ter de recorrer a papéis e a tatuar a informação no corpo, é interessante. A mulher de Leonard foi violada e morta e ele tem de seleccionar aquilo em que acredita para encontrar o assassino dela.
O método já foi levado mais longe e com melhores resultados. Não que o filme seja mau, mas não é aquilo que fazem dele.

Em A Peste Escarlate, Jack London faz o relato de um avô sobrevivente da dita peste, sobre como a vida era antes da epidemia em 2013.
Rodeado de três netos que não têm qualquer problema em humilhá-lo, ele sobrevive desiludido naquilo em que a humanidade se tornou, reduzida a apenas 400 pessoas em todo o mundo, 60 anos depois. Depois de eles começarem a ganhar interesse nas suas deambulações, permitem-lhe que ele conte o que aconteceu e em como a sociedade era, bem como as origens das tribos a que eles pertencem. Especialmente notável é o facto de Jack London ter escrito o livro em 1912, e quase tudo se ter desenvolvido como ele descreve. Como ficção é um livro muito bom sobre o futuro, e com a escrita inteligente, uma história viciante.

Para o semblante Road Trip/American Pie, o comediante Dane Cook entra no filme My Best Friend's Girlfriend, explorando aquilo que o tornou famoso, degradar mulheres, descartá-las depois de usadas. É uma representação dos espectáculos que ele faz, com as piadas no nível médio, não é execrável, mas também não é nada de brilhante.

Onde Vivi e Para Que Vivi é um excerto retirado de Walden, de Henry David Thoreau. Há qualquer coisa de superior na forma como Thoreau revela a sua solidão perto do lago Walden, no entanto a filosofia que explana, tem praticabilidade nula.

Acompanhando os Britânicos Oasis na sua maior tour de sempre, Lord Don't Slow Me Down é um documentário na estrada de uma banda em alta. É sabido que hoje em dia já voltaram à situação habitual, no entanto tem graça ver os irmãos Gallagher a divertirem-se com jogos de tabuleiro.
A ultima grande banda rock que conseguiu ter sucesso, filmada principalmente na América, o grande mercado que falharam depois de Liam ter abandonado a tour há quase 10 anos.
A sinceridade, a maneira como gozam com quase todas as perguntas, entrelinhadas pelas musicas de onde ressalta o talento imensurável de Noel e o carisma de Liam. A imagem a preto e branco funciona muito bem.

O Esranho Caso de Dr Jekyll e Mr Hyde é dos livros de ficção (cientifica?) que mais fascina. Segue o advogado Utterson na busca do amigo Dr Jekyll numa Londres iluminada a candeeiro. Quando ouve falar num sujeito desprezível chamado Mr Hyde, dá-se conta de uma maldição no círculo de amizades. Para além de uma história excitante e original, a forma como é escrito pelo Escocês Robert Louis Stevenson é notável, até pela forma como cartas e relatos resolvem o mistério da dualidade. Os pormenores que vão sendo adicionados à narrativa são de um génio inventivo ao alcance de poucos.

Dez anos depois do original (que nunca vi), foi lançado Funny Games nos Hamptons, do mesmo Michael Haneke. O filme surpreende, porque é mesmo muito bom, apesar de não ter tido divulgação nenhuma. Dois jovens surpreendem uma familia de veraneantes nos Hamptons e fazem-nos prisioneiros na própria casa de férias. Pode ser resumido como uma mistura da brutalidade de A Clockwork Orange com a claustrofobia de The Shining.
Os dois irmãos Paul e Pete são especialmente fantásticos, tendo o elenco Naomi Watts e Tim Roth. A forma do filme surpreende com a alternância entre a calma e a brutalidade, num andamento inconstante, mas que funciona magnificamente.
Aparentemente, a única diferença para o original Austríaco são mesmo os actores, a língua e a localização, com as cenas e falas a manterem-se.

Perdida no North Dakota, Fargo é um entreposto comercial onde pouco acontece. Realizado pelos irmãos Coen, tem um excelente elenco (incluindo Steve Buscemi como ladrão) a retratar o tipo de Norte-Americano demasiado ignorante para ser sequer white trash, que ficaram perdidos no meio do século passado sem novas ocupações. Depois de um assassínio, a história começa a iluminar os cantos do círculo, com as personagens todas envolvidas. Os planos iniciais de nevoeiro e neve são especialmente belos.

Na Carta Ao Pai, o checo Franz Kafka inúmera as falhas da educação que o pai lhe deu e de como essa base condenou o relacionamento futuro entre eles. Sem o acusar, revela-lhe que sempre se sentiu uma nulidade, mas que demonstra compaixão e até compreensão por algumas opções tomadas. Para batalhar contra a sinceridade, há uma constante enumeração, que acaba por se tornar cansativa. Vale a pena dar uma olhada, no entanto.

Escrito em Janeiro de 1922 e publicado originalmente na revista Contemporânea, O Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa é um diálogo entre um anónimo e um ex-operário tornado banqueiro, que tenta explicar a pureza do seu anarquismo ao restringir-se à sua felicidade pessoal, ocupando-se de si, em vez de tentar alterar a sociedade que o rodeia.
Explora as fragilidades da dedução num discurso genial, onde o texto serve o propósito, ainda que com toques que apenas um cérebro brilhante é capaz de dar.
É política pela definição anarquista, assenta na secção filosófica pelo método e na humorística pela forma.

Um Coração Simples de Gustave Flaubert é um romance que segue a criada Félicité, nascida para ser a empregada perfeita, de meia idade, dedicada e com pouco que a distraísse da vida doméstica, excepto Deus. Vive as perdas dos patrões e na surdez, inicia uma relação de cumplicidade com o papagaio Loulou.
A morte de Virginie, filha de uma patroa, a do papagaio, a miséria da sua própria infância, bem como a decepção do primeiro amor, afundam-na na sua existência singular, que perde a vontade de viver depois da morte da patroa. O extremo realismo da obra é notável, e n'A Lenda de S. João Hospitaleiro, também incluínda, atesta a principal característica de Flaubert, um grande domínio do vocabulário, numa história simples e descritiva.

Faz agora um ano que o filme La Antena foi lançado no Reino Unido, sendo uma produção Argentina de 2007, realizada por Esteban Sapirá. Como se faz um filme de cinema clássico no segundo milénio? Neste caso, fazendo um filme soberbo, acenando à cinematografia dos clássicos, usando a tecnologia disponível na actualidade.
A cena inicial, uma máquina de escrever a fazer de piano, premonição de uma beleza de antigamente fundida com notas soltas a preto e branco, faz ponte para um dos primeiros planos, que resume o filme. Na era digital, abre-se um livro com saliências, a partir do qual um conjunto de folhas ganha forma e se transforma numa cidade de arranha-céus. Essa cidade, sem nome e que vive o ano XX, tirou a voz a todos os habitantes, excepto à Voz, uma cantora do único canal de televisão, gerido por Mr TV.
Num filme silencioso, a maneira como as palavras são incorporadas é fantástica, com cada linha de diálogo a ter um arranjo tipo mini-filme. A caracterização, o despir as personagens das semelhanças humanas por não terem voz, Tomás, o filho da cantora/espectro, sem olhos, as sobreposições das imagens fixas, são tudo pormenores geniais. Não é surpresa que o filme tenha ganho tantos prémios.
A principal influência será Metropolis. Pode-se dizer que é um Metropolis filmado ao nivel de rua, como um filme de gangsters (aceno dado pela recriação da execução com metralhadoras, muito bem animada).
A questão do silêncio, hereditário e forma como se tenta combatê-lo, como no encontro de Tomás com Ana no quarto desta, quando ele começa a falar com neve lá fora, ou no "meio-diálogo" entre o pai de Ana e o rapaz que fala é mágico com aquela musicação, aliás, de uma elegância tremenda durante todo o filme.
Talvez a história tenha problemas de fluência, no entanto, é difícil certificarmo-nos disso, tal é o deleite visual em que nos encontramos envolvidos.

Ultimamente tenho voltado a obcecar-me com a musica. Redescobrir os beats do Dj Premier, revisitar a simplicidade épica dos Massive Attack, o Inverno de Pelican City, o regresso da Cristina Branco que nunca saiu de casa, o comprar 11 LPs do Deus Sinatra, os Isis, os Sunn 0))) quase a saírem da gruta, os Curl Up And Die enterrados. De 3 em 3 anos parece haver um período que deixo de ouvir música nova (para os meus ouvidos), mas depois volto a aplicar o tempo na música. O meu percurso é um bocado inverso, eu com o tempo vou-me aproximando das coisas mais pop, interessando-me mais pelos arranjos, pelos conceitos e musicalidades pré-90. Não que alguma vez tenha tido aversão, mas cresci sempre nos limites do jazz/blues/hip hop/hardcore/beatdown/noise/black/death metal.

Não tenho vindo ao blog com frequência porque ando a acabar a minha dissertação. A quem se interessar, versa sobre dois periódicos Portugueses, o Mercurio Portuguez (1663-1667) e a Gazeta Literaria (1761-1762).
Tenho o link nas recomendações, mas ponho aqui a menção, já agora, ao Homem Que Sabia Demasiado, um blog maioritariamente sobre cinema, do homem por detrás de Kubik. Não sei se já tinha dito ao Victor Afonso, mas muito do que aqui se lê, foi porque uma noite de Inverno, quis o destino que me levassem para uma sala na Beira Alta para ver uma projecção d'Un Chien Andalou musicado por ele. Foi onde muitas coisas começaram.

Bem rodeado de actores secundários no regresso em Gran Torino, Clint Eastwood volta a ser o típico herói/anti-herói Norte-Americano, desta vez um veterano de guerra desajustado num bairro que, após a morte da mulher, o deixa sozinho com imigrantes. A interpretação é majestosa, e o filme é um cruzamento fantástico entre filme de autor e mainstream, apelando a ambos, com fluência.
O desenvolver das expressões faciais de Clint sempre que o filho lhe tenta ficar com algo, o monólogo em frente ao espelho quando se apercebe que tem mais em comum com os vizinhos orientais do que com a família, a fricção com o padre, e o final, são momentos de cinema brilhantes, que vale a pena ver e rever.
A questão por trás, e o modo como acaba, a perpetuar a morte como salvação, e a volta que dá, é atraente.

Depois da exposição itinerante (que vai continuar), Made for Skate foi transposto para livro, sendo mais uma adição de valor à biblioteca de skate, na continuação de Epic Spots, Stalefish, entre outros, sendo o maior de todos com quase 400 páginas. É a história ilustrada dos ténis de skate.
A exposição original é feita a partir de ténis usados, o que acho um bocado dúbio, mas compreende-se dada a dificuldade de acesso a modelos intactos. As fotografias dos usados são alternadas com artigos promocionais da época em que saíram, incluindo recortes de revistas e reproduções da publicidade.
O livro está ordenado cronologicamente e tem graça ver o desenvolvimento dos ténis usados por skaters, desde Converse até aos mais robustos Air Jordan. Depois da emergência da Airwalk e da Vans, entra-se naquela que tem maior valor nostálgico para mim, os anos 90, da éS, Osiris, DVS e Circa. É uma boa sensação poder ver agora, tantos ténis que nunca pudemos ter, bem como aqueles que só saíram dos pés quando se começaram a desintegrar. Outra pessoa, talvez tivesse dado destaque a outros modelos, mas as marcas estão lá todas, desde a Hook Ups, Globe, Etnies, até à Savier, Link ou Generic.
Os últimos anos, parecem um catálogo da NikeSB, mas até se compreende, dada a influência que têm nos dias de hoje e o volume de vendas. A outra crítica é, não se apercebendo da sorte de alguém ter reparado no trabalho deles, os Portugueses da Fidel terem tentado parecer engraçados, falhando miseravelmente.

The War Trilogy é um livro muito interessante para quem se interessa pelo neo-realismo Italiano do pós-guerra. É a transcrição dos guiões da trilogia da guerra de Rossellini, Open City, Paisan e Germany - Year Zero, incluindo 150 ilustrações dos filmes.